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Quando o desfecho negativo acontece


Recentemente, vimos uma matéria que exaltava a carreira de um profissional do parto que, em 10 anos no exercício de sua profissão, nunca tinha tido uma perda de mãe ou bebê. Em um primeiro momento, achamos essa notícia feliz e bacana, mas logo depois fizemos a problematização necessária: essa experiência é muito positiva para o profissional em questão, mas convenhamos que houve também um pouco de sorte. De maneira nenhuma a ideia é desmerecer a belíssima carreira do colega, mas divulgar esse feito como de total responsabilidade dele é... irresponsável. Ninguém tem o poder de controlar a morte.

Nem o preparo acadêmico, nem as constantes atualizações profissionais, nem as evidências científicas, nem o acolhimento, nem a informação dada e recebida o tempo todo, nada disso é capaz de evitar a perda de mães e/ou bebês durante a gravidez e o parto. E esse fato tem relação ainda mais complicada quando se trata de um atendimento humanizado.

Ora, se optamos pela humanização, teoricamente estamos escolhendo o que há de melhor e mais atual para nós e nossos filhos, certo? Sim, é verdade. Não temos dúvidas de que a assistência humanizada é uma escolha que faz sentido não só pelo lado emocional, mas também pelo lado técnico: é sabido que os desfechos são melhores que os de partos altamente medicalizados ou os de cesarianas. Sabemos que as mulheres estão prontas para parir e que seus bebês sabem nascer e que, quanto menos se intervém, melhor para ambos. Sabemos que acolhimento, respeito e cuidado influenciam positivamente na experiência do parto, amenizam os momentos de dor, abreviam a duração do trabalho de parto. Também temos a certeza de que a segurança e as constantes atualizações do trabalho de quem lida diretamente com assistência ao parto são fundamentais e jamais devem ser deixados de lado – é preciso saber muito para intervir pouco e intervir pouco não é deixar de intervir quando necessário.

Agora, nada disso é sinônimo de que o parto humanizado é um parto sem riscos. De que a intervenção é sempre desnecessária e que nada de ruim pode nos acontecer. Não só pode acontecer, como irá acontecer. A OMS considera aceitável, por exemplo, o índice de 20 mortes maternas para cada 100 mil nascidos vivos. De todos os nascimentos, 15% precisarão ser por via cirúrgica. Quando afirmamos que “as mulheres sabem parir e os bebês sabem nascer”, não estamos pregando uma crença irresponsável, estamos falando a verdade. Se apenas 15% das mulheres precisará de uma cesariana, por que entendemos que o parto natural é MAIS perigoso? Por que essa constante sensação de que está sendo feito todo o possível?

Vivemos em um contexto em que cesarianas são vendidas como solução para todo e qualquer tipo de problema (ou mesmo para nenhum problema, por pura conveniência), que temos diversos desfechos negativos relacionados às cirurgias (e ironicamente nenhum muito divulgado), que a luta para desconstruir esse sistema é injusta e dura. Nesse cenário, quando acontece a perda de uma mãe ou bebê durante um parto humanizado, é normal que se procurem culpados, a revolta é esperada e faz parte do luto. Cabe a nós respeitá-la e acolhê-la. Ninguém quer perder um ente querido e não há estatísticas que nos bastem para entender o ocorrido.

Ainda assim, também é importante que façamos os devidos alertas: nenhum parto é risco zero. Todas as escolhas possuem seus riscos relacionados. A morte é sim uma das possibilidades. É claro que os familiares precisam buscar respostas e entender o que aconteceu, como aconteceu. Infelizmente, dentro do contexto do parto humanizado, uma perda é recebida com muito mais espanto e muito mais amplificada que as ocorridas dentro do “sistema”, por vezes é encarada como falta de responsabilidade ou preparo técnico. Quando uma perda ocorre nas maternidades ou decorrentes de cesarianas, a divulgação fica nas entrelinhas e não recebe tamanha comoção. Entendemos os mecanismos que levam a isso, mas não podemos deixar de nos posicionar e fingir que o assunto não existe.

A morte existe sim, trabalhamos para evitá-la, mas, em alguns (raros) casos, ela irá ocorrer. Para quem está tomando as decisões a respeito de sua assistência pré-natal, a consciência de todos os riscos envolvidos é fundamental.

O que podemos fazer para minimizar tais riscos, então?

Como já falamos, um bom pré-natal é um excelente começo. Além disso, é importante escolher uma equipe constantemente atualizada e bem informada das mais recentes e confiáveis evidências científicas. Por último, é sempre buscar e acolher as informações, especialmente as trocadas entre equipe e família, entendendo que este é um intenso e necessário processo de corresponsabilização e (cons)ciência das escolhas feitas.


 
 
 
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